Artigo de Opinião: Na semana em que o presidente dos Estados Unidos trouxe ao debate público a ideia de que gestantes não deveriam usar Tylenol por um suposto risco de autismo, acendeu-se um alerta não apenas sobre saúde, mas também sobre responsabilidade: a diferença entre hipótese científica e verdade consolidada pode ser a fronteira entre cuidado e medo.
É fato que alguns estudos observaram uma possível associação entre o uso de acetaminofeno (Tylenol) na gestação e alterações no neurodesenvolvimento. Mas há um detalhe fundamental, essas pesquisas são observacionais e não provam causa e efeito. Muitas vezes, a febre, a dor ou a infecção que motivaram o uso do medicamento podem ser os verdadeiros responsáveis pelos desfechos observados.
O Transtorno do Espectro Autista é uma condição neurobiológica complexa. Hoje, a ciência tem clareza de que o autismo está muito mais ligado a fatores genéticos, idade dos pais, infecções repetidas na mãe durante a gravidez, uso de valproato, mutações e processos do desenvolvimento neurológico do que a um único remédio. E a comunidade científica é categórica, não há evidência consistente de que o Tylenol cause autismo. Espalhar medo em torno disso não apenas desinforma, como pode colocar gestantes em risco ao deixarem de tratar condições reais que exigem cuidado.
A comparação inevitável é com o mito das vacinas. Por mais de duas décadas, falsas alegações de que imunizantes causariam autismo circularam pelo mundo, apesar de dezenas de estudos de larga escala demonstrarem o contrário. Essa narrativa, nascida de uma pesquisa fraudulenta já retratada pela comunidade científica, provocou quedas nas taxas de vacinação e o retorno de doenças antes controladas. O risco agora é repetir a mesma lógica com o paracetamol, transformar uma hipótese em dogma, sem respaldo científico sólido, e gerar medo onde deveria haver orientação baseada em evidências.
A politização dessa pauta ainda faz eco a teorias já desmentidas, como a falsa relação entre vacinas e autismo. Esse tipo de retórica corrói a confiança em práticas médicas seguras e bem estabelecidas, alimentando dúvidas onde deveria haver clareza.
O verdadeiro risco não está no remédio em si, mas em transformar indícios preliminares em certezas políticas. O que as gestantes, e a sociedade como um todo, precisam é de ciência rigorosa, comunicação responsável e orientação médica individualizada. Decisões de saúde pública não podem ser pautadas pelo palanque, mas pela prudência que salva vidas.