Jiu-Jitsu e Autismo: quando o tatame se torna um caminho de desenvolvimento e superação

Entre quedas e vitórias, o jiu-jitsu fortalece a jornada de crianças no espectro autista

Apesar da imagem de força e enfrentamento que o jiu-jitsu pode transmitir, sua verdadeira essência está na leveza, no controle e na inteligência emocional diante do adversário. A prática milenar, originada no Japão e amplamente difundida no Brasil, vai muito além das técnicas de autodefesa: ela carrega valores que moldam caráter, constroem disciplina e fortalecem o corpo e a mente desde a infância.

O esporte tem se destacado como uma poderosa ferramenta de desenvolvimento para crianças. Seus benefícios são amplos e atingem diferentes esferas da vida infantil, da saúde física ao equilíbrio emocional. Crianças que praticam jiu-jitsu não apenas aprendem a se defender, mas também adotam um estilo de vida mais ativo, desenvolvendo força muscular, resistência, coordenação motora e noções fundamentais de saúde corporal.

Além dos aspectos físicos, o jiu-jitsu é um ambiente fértil para o cultivo de habilidades sociais. Durante os treinos, os pequenos atletas aprendem a lidar com regras, a respeitar colegas e a trabalhar em equipe. A convivência no tatame ensina a ouvir, a cooperar, a comunicar-se com clareza e, acima de tudo, a criar laços.

Muitas dessas amizades construídas na infância, entre quedas e risos, permanecem por toda a vida. Outro ganho importante está na disciplina. A prática regular exige comprometimento com horários, cuidados com o uniforme, respeito aos professores e aos colegas. Isso naturalmente contribui para que as crianças aprendam a organizar seu tempo, reduzam o uso excessivo de telas e desenvolvam autonomia em sua rotina.

No campo emocional, os ganhos são ainda mais sensíveis. O jiu-jitsu ensina a lidar com vitórias e derrotas, cultivando resiliência e inteligência emocional. A criança aprende, no chão do tatame, que cair faz parte do processo, e que levantar é sempre possível. Essa lição, tão simples e tão profunda, acompanha os alunos ao longo da vida.

É o caso de Eduarda, que iniciou no jiu-jitsu aos 5 anos de idade. Hoje, aos 7, já colhe os frutos de uma jornada que está transformando sua vida. Segundo os pais, antes da prática esportiva, Eduarda apresentava quedas frequentes, dificuldades de equilíbrio e uma percepção espacial limitada.

Era emocionalmente sensível e tinha dificuldade para lidar com frustrações cotidianas. A mudança veio com um trabalho conjunto: acompanhamento médico, apoio de equipe multidisciplinar, terapias e, claro, o jiu-jitsu. “Foi um divisor de águas”, contam os pais com emoção. A pequena hoje apresenta avanços significativos em foco, autoestima, disciplina e autodefesa. Aprendeu a se controlar emocionalmente e passou a compreender melhor seus próprios limites e possibilidades.

Rodrigo, sensei e gestor da Academia Sioux, onde Eduarda treina, fala com carinho sobre a aluna: “A Eduarda enche o tatame de alegria. Ela está me ensinando sobre sinceridade, o olhar dela diz tudo. Ela tem o mundo pintado na cabecinha e, enquanto treina, parece enxergar algo que nós não vemos. Eu daria tudo para ver as cores que ela vê. Por causa dela, mudei algumas atitudes minhas como professor. Me tornei mais atencioso, e isso se reflete até nas aulas com os adultos.”

Rodrigo também destaca a evolução técnica da aluna: “No início, ela não conseguia me ouvir durante as lutas, a não ser que eu tocasse seu ombro. Hoje, ela me acompanha com o olhar. Está sempre me procurando com o cantinho dos olhos, atenta, conectada. Está crescendo a passos largos, principalmente na percepção do que acontece ao redor.”

O tatame, para Eduarda, é mais do que um espaço de treino. É um campo de conquistas. Cada queda é uma oportunidade de levantar mais forte. Cada técnica aprendida é um passo rumo à autonomia. E cada abraço no final de uma luta, um lembrete de que crescer também é acolher e ser acolhido. No jiu-jitsu, os professores não apenas ensinam golpes, eles acolhem com carinho e empatia.

Alana de Almeida

Professora Universitária e acadêmica de Psicologia

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